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Mães SCTP: Márcia Jurdim
22.May.2018
Um papo sobre resiliência, amor e valorização da maternidade real
"É que eu sou tal qual a vara
Bamba de bambu-taquara
Eu envergo, mas não quebro"
Comecei a escrever sobre a Márcia e esse trecho da música interpretada pelo Lenine veio logo à minha cabeça. Percebi que fazia sentido que essa sugestão fosse incluída aqui. Independente de preferências musicais ou qualquer interpretação pessoal, a letra dessa canção vai fundo no que essa mulher transmite. Alegria, amor e praticidade na vida, celebrada e renascida a cada manhã, como nessa em que sentamos juntas para tomar um café. Logo no começo da conversa já falamos sobre essa palavra, tão em moda mas que ela, como mãe, já conhece há tanto tempo: resiliência. "Lágrima não cura ferida. O que cura ferida é você esterilizar, colocar um remédio, dar o antibiótico certo na hora certa. Prefiro encarar tudo de frente, sempre", diz.
A Márcia tem duas filhas: a Alice, de 9 anos, e a Luiza, de 12. Como ela mesma definiu,sua maternidade foi uma experiência praticamente gemelar. Isso porque a Luísa nasceu em uma condição especial e foi praticamente um bebê até os 6 anos. Quando ela tinha 3 anos e meio, veio a Alice. Ser mãe nesse contexto transformou a vida dela em diversos sentidos - e mostrou o quanto é possível florescer e construir tanta felicidade e amor mesmo na adversidade.
A doçura da Márcia divide espaço com a fortaleza que ela transmite, e enquanto tomávamos cafés e enchíamos a barriga com dois croissants conversamos sobre a intensidade que marca sua experiência como mãe. Um papo muito direto, franco e honesto. "Depois de 13 anos de luta, de eu ter saído do mercado, deixado de ser a linha de frente de muitas coisas da minha profissão, alguém vai dizer que o que eu faço é importante. Isso foi uma coisa que me deixou muito emocionada nesse convite da Santa! Porque me tira da minha rotina e me valoriza justamente por aquilo que ninguém reconhece. Isso está sendo muito profundo em mim", disse ao começarmos um diálogo que não tem data pra acabar. Vem conhecer essa história linda!
Como chegou esse convite da Santa para que você contasse a sua experiência de maternidade ?
Eu tinha ido à loja um dia com a minha mãe e aí a Vanessa veio falar com a gente, que iam me convidar para participar do projeto do Dia das Mães. Ali minha perna já começou a tremer. Porque a primeira coisa que pensei foi: "nossa, vou ser valorizada por uma coisa que ninguém reconhece que eu faço". Porque é isso que acontece com quem é mãe. Se alguém falar para você que a profissão mãe tem valor, não tem. Muitas vezes as pessoas me escolhem para ajudar a fazer as coisas sabe por quê? Por quê pensam que eu não faço nada. Então me pedem. Uma parte do mundo até reconhece que a Márcia faz muita coisa, mas a Márcia não produz renda como mãe. Então se ela não produz renda, ela não faz nada de valor que ocupe o tempo dela que ela não possa ceder o tempo dela. Hoje se você perguntar qual a minha profissão, eu digo que é mãetorista. Eu cumpro agenda de filho. Tenho meu trabalho mas faço à noite depois que todo mundo já foi dormir. E aí quando a Vanessa me convidou veio essa emoção atrelada a isso. Pensei: "Gente, alguém está me reconhecendo! Depois de 13 anos de luta, de eu ter saído do mercado, deixado de ser a linha de frente de muitas coisas da minha profissão, alguém vai dizer que o que eu faço é importante!". Isso foi uma coisa que me deixou muito emocionada.
Você disse que saiu do mercado de trabalho depois da maternidade e passou por grandes mudanças. Como foi isso?
Eu fui criada para trabalhar, cuidar da minha vida. Fui professora de pré escola por 6 anos, fiz Direito e Pedagogia e advoguei por 8 anos. Depois quando tudo isso do profissional acabou por escolha própria, comecei a ser advogada e professora de uma única causa que é a Luíza. Tudo que aprendi na profissão eu usei para tornar a vida dela melhor. Continuei advogando por um tempo mas aí quando ela precisou fazer a traqueostomia realmente não tinha mais como. Além de precisar aprender a cuidar de uma criança com traqueo, ainda tinha outro bebê pequeno, a Alice. Eu sou um pouco aflita assim porque a minha experiência como mãe, se for analisar bem, é gemelar. Porque eu tive a Luiza em uma condição especial. Ela foi um bebê até uns 5, 6 anos. Quando ela tinha 3 anos e meio eu engravidei da Alice, mesmo não querendo, mesmo me programando e tomando remédio. Hoje, a Luiza tem 12 e a Alice tem 9.
Sua primeira experiência materna, com a Luiza, teve um contexto bastante adverso que exigiu equilíbrio e força. E foi muito intenso também.
Sim, com certeza. A Luiza colocou traqueo com 6 anos. Ela nasceu com síndrome de down, cardíaca, e totalmente sem esôfago. A boca dela não tinha comunicação com o estômago. É um caso bastante raro. Os médicos precisaram "criar"um outro esôfago com o próprio estômago. Só que para ela chegar nessa cirurgia que se chama transposição gástrica, ela precisava de uma condição nutricional muito boa, porque o pós era muito complicado. E a vascularização do estômago é a mais violenta para o organismo, porque você pode descambar para uma necrose com facilidade. Mas eu tinha sido preparada para passar por isso. Fiquei sabendo dessa condição da Luiza do quinto ao sétimo mês de gestação. Demorou dois meses para que fechassem o diagnóstico.
De que maneira você lidou com esse tempo de espera?
Eu entrei no submundo do diagnóstico fetal, e ouvia inúmeros absurdos. Era muito questionada se iria interromper a gravidez ou não e achava aquilo tudo muito invasivo. Comecei a não ter nem mais vontade de ir na consulta, porque não queria ouvir aquilo. Mas comecei a me dar conta que eles batiam nessas perguntas todas as vezes porque muitas mães são abandonadas nessas condições. Então é muito complicado mesmo.O médico não pode vender uma ilusão para essa futura mãe, e precisa partir do pior cenário. Eu é que precisava aprender a digerir. E aprendi ao longo da vida. Todos os dias eu tenho uma novidade para tocar, não fico me apegando a essas memórias como algo ruim. Lembro que quando sentamos com o geneticista depois do diagnóstico ele me disse: "Bom, Márcia, o caso do teu bebê é o do cromossomo 21. Tem 50% de chance de viver. O melhor seria que fosse os outros, porque aí a natureza já abortava espontaneamente." Quer dizer, ele achava que não era possível uma vida com a síndrome. Já eu e meu marido dissemos: "Tem 50% de chance de viver? Nossa, ainda bem que é down!!", e saímos aliviados, mesmo sabendo dos desafios que ainda teríamos.
Depois que a Luiza nasceu, ela passou ainda longos períodos no hospital como você disse. Intimamente, como você, na posição de mãe, se mantinha firme nesses momentos?
Todas as 7 vezes que os médicos falaram para mim que a Luiza não voltaria do centro cirúrgico, ela voltou. De toda essa trajetória de maternidade, o pior momento sempre será entregar o filho na porta do centro cirúrgico, e você estar lá firme e forte. As previsões sempre eram as piores, mas aprendi muito com isso. Já passamos por muitos momentos difíceis, mas sou extremamente racional nessa parte. Lágrima não cura ferida. O que cura ferida é você esterilizar, colocar um remédio, dar o antibiótico certo na hora certa. Então optamos por encarar isso. Vivemos de uma maneira simples, sem grandes aventuras. Eu sou muito resiliente para o meu caminho, para as minhas andanças.
E hoje, como é a rotina de vocês em família?
A gente vive uma vida simples mas muito consciente. É tudo muito programado mas lidamos muito bem com isso. Sempre tivemos uma aceitação plena sobre as necessidades da Luiza, e a Alice também cresceu em meio a esse contexto. A Luiza ficou hospitalizada praticamente 6 anos, indo e voltando do centro cirúrgico. Ela operou coração, depois o estômago, depois teve a traqueo. Então era difícil para ela viver socialmente, por mais que a gente quisesse e se esforçasse. Ela foi andar com 7 anos, depois de fazer uma cirurgia nos pés, porque eles eram levemente tombados para dentro e desequilibravam demais qualquer tentativa de marcha. Depois dessa cirurgia começou uma nova vida para a Luiza. Logo já fui visitar uma EMEI no meu bairro que sempre me disseram ser inclusiva. Aí fui pra lá, fizeram uma banca examinadora minha e da Luiza e aceitaram a entrada dela. Tenho um carinho imenso por essas pessoas. Comprometidas, dedicadas, abraçaram a gente. Como nessa época ela já tinha readquirido a via oral, o pessoal na escola a alimentava normalmente. Mas tinham cuidados especiais, claro, então eu ia todo dia na escola na hora do lanche para acompanhar. Poderia vir engasgo, por exemplo, e as pessoas tinham receio. Foi um longo período de readaptação oral depois da traqueo (antes disso ela se alimentava por sonda). Hoje ela come até demais e não dispensa uma coxinha.
Olhando para todas essas conquistas, como você se sente hoje?
Eu aprendi a olhar a minha vida só como privilégio. Eu vivi a vida inteira com privilégios, não dá para eu querer que o lado negativo seja maior que o lado positivo. Tudo que acontece comigo é sempre de uma maneira que acaba dando tudo tão certo que eu não lamento. Eu reclamo, eu xingo? Às vezes sim. Eu sou uma pessoa movida pela fé, senão eu não chegaria onde estou com essa estabilidade. Mas converso com Deus, sabe? Eu falo: "Meu filho, vc me deu isso? Então cola aqui e vem me ajudar a resolver!". Eu aprendi que eu preciso colocar a Luiza e a Alice para lidarem com o mundo. O mundo não tem que parar por causa delas. A Luiza por exemplo. Às vezes ela é rejeitada? Às vezes é. Mas você acha que ela está preocupada? Não tá. Quem perde são as pessoas que não interagem com ela. Um exemplo maravilhoso de conquista pela qual eu só tenho a agradecer é a entrada da Luiza no balé. E é uma história que reflete muito tudo o que ela passou e que a gente aprendeu. A Luiza chegou no balé no meu colo, ainda não andava, mas eu acreditava na importância do convívio dela com outras crianças. Na primeira apresentação da escola de balé que a Lu participou ela ainda não andava, então ficou sentadinha no palco fazendo os movimentos. Muitas pessoas criticaram, falaram que eu estava expondo minha filha. Ninguém pensa no positivo nessa hora. Mas eu sabia o quanto aquilo significava para ela. Um ano depois a apresentação aconteceu de novo - e, dessa vez, a Lu entrou andando no palco. Então como eu posso lamentar pela minha vida? Sou muito privilegiada.
"Em noite assim como esta
Eu cantando numa festa
Ergo o meu copo e celebro
Os bons momentos da vida
E nos maus tempos da lida
Eu envergo, mas não quebro".
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